domingo, março 30, 2008

Aproveitando o gancho...

E é na verdade um capitão gancho (piadinha infame...), dado pelo último post. Mando aqui o link para uma entrevista do Ziraldo na TV Câmara. Você assiste onlinemente cutucando aqui!

Ziraldo tem punch!

Textos realmente bons são complexos o suficiente para tocar em diversos temas humanos ao mesmo tempo, sem perder a clareza e o fio de raciocínio. São textos que humanizam, misturam história e informação com fatos pessoais e sentimento, mostrando como é a realidade relida pelo olhar humano.

Textos realmente bons são como esse aí embaixo, do cartunista Ziraldo. Recebi por e-mail numa lista de dicussões, procurei um link para mandar você para onde foi publicado originalmente (já que não foi feito especialmente para este humilde blog, óbvio!), mas não encontrei. Em todo caso, achei que não seria mal republicá-lo integralmente aqui. É um texto longo, o que só comprova que tem qualidade: depois que você começa a ler, você não consegue parar.

Bem, lá vai:

***

Como se descobre que humor também é cultura e se pranteia a morte de um velhíssimo companheiro

por Ziraldo*

A pedra antecede a pedrada. Isto é certo. Mas a obra vem depois de se obrar? Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha? O verbo só existe porque existe o substantivo? Existe alguma ação que não corresponda a um objeto? Agir vem antes ou depois da ação? Estou fazendo essas perguntas porque os dicionários, em geral, registram primeiro o substantivo, depois, o verbo. Por exemplo, punch, em inglês. Está lá, no Dicionário da Britânica, sua primeira acepção: trata-se de um objeto que, por pressão, faz furos, é um furador. Já o verbo, que vem depois, se refere a dar uma porrada com os punhos, com a precisão de um furador de buracos. Neste caso, o substantivo quer dizer um murro bem dado, preciso. Quando o cara acerta murros assim, se diz hoje, no mundo inteiro, que ele tem punch. E figurativamente se pode dizer que tem punch todo aquele que, com freqüência, diz as coisas com eficácia e precisão, acerta com força os alvos postos à sua frente. Esta expressão serve para se fazer o elogio a um bom polemista: um jornalista de punch.

Eu pensava que a revista inglesa Punch se chamava assim pelas razões sobre as quais fiz as reflexões acima. Não é. Mas, por estas razões, o nome lhe assentava: o Punch sempre teve punch.

Seu símbolo é aquele famoso corcundinha narigudo herdado da commedia del’arte. Na Itália, porém, a figura usava uma roupa branca. Quando os ingleses o adotaram, vestiram-no com roupas ricas e coloridas e fizeram dele um personagem grave e sério, crítico, azedo. Justo ele que, na Itália, antes de virar uma marionete famosa em todo o mundo, era alegre e fanfarrão, beberrão e simpático, quando um ator o representava nos palcos italianos. Ali, ele se chamava Pulcinella; na França, chamaram-no de Pollichinelle; de Pulchinela na Espanha; e Polichinelo entre nós. Em inglês, ele virou Punchnello, mas logo os ingleses cortaram seu nome pela metade, ele virou apenas Punch. Quer dizer: para os inimigos não acharem que a revista era pura porrada, seus fundadores inventaram como símbolo o bonequinho da commédia del´arte, menos agressivo do que um soco na cara.

Mas não é da commédia del’arte que quero falar, embora ela tenha tudo a ver com o Humor. Quero falar é da revista Punch. Eu a descobri quando vim para o Rio tentar ser desenhista de história em quadrinho na remota metade do século passado (meu Deus, como essas menções me envelhecem!).

Havia uma grande banca de jornais no centro da cidade, instalada nos pilotis de um edifício, creio que na Avenida Almirante Barroso, e ali se podia encontrar todas revistas do mundo. Foi onde eu passei pelo Jaguar, um monte de vezes, ele indo para o Banco do Brasil e eu pra McCann Erickson, um dos meus primeiros empregos no Rio.

O meio século estava nas vésperas de dar a virada e nunca podia imaginar que o Jaguar iria estar presente no resto da minha vida, nós dois ali, comprando o Punch, sem um notar o outro. Eu só sabia descrever o aspecto físico do simpático dono da banca mas Jaguar sabia o seu nome, quando nós, algum tempo mais tarde, descobrimos a coincidência.

Pois foi ali, naquela banca, indo atrás de revistas de HQ, que descobri o Saturday Evening Post, o New Yorker, o Graphis e, last but not least, o Punch, as revistas com quem fiz minha faculdade. Eu era Caricaturista e não sabia. Sabia fazer cartuns e não sabia que sabia. A partir daquele tempo me transformei em uma espécie de participante do programa “O Céu é o Limite”, assunto Caricatura e Humor. Fiquei íntimo de todos os cartunistas dessas revistas, passei a sonhar em publicar minhas coisas nas suas páginas, queria sair no Graphis.

Mas só quero falar do Punch. Ele nasceu em 1841, seis anos depois de Charles Philipon ter fundado em Paris seu famoso Le Charivari, onde realmente a Caricatura nasce na Imprensa como Manifesto Político, e se eleva, com Daumier, Gavarni, Grandville, entre outros, à categoria de Arte. A influência da cultura francesa já se manifestava tão forte como hoje, tanto que o subtítulo do punch era The London Charivari.

Charivaria é uma palavra da língua universal — nascida na França — que significa muita confusão, algazarra, uma tremenda zona. Os franceses morreram pelo caminho e o Punch atravessou os séculos, chegando até nosso tempo como símbolo do sarcasmo, da ironia, da fleugma, do humour britânicos. Um patrimônio universal.

Logo depois de sua fundação, o princípe Albert, marido da rainha Vitória, encomenda aos artistas oficiais uma série de estudos para os murais do Palácio de Westminster. Esse estudos e esboços são feitos em cartões, que os ingleses chamam cartoons. Foi feita uma exposição desses cartoons e o pessoal de Londres caiu de pau na qualidade deles.

Foi o bastante para o Punch publicar seus próprios cartoons, glosando e gozando a a iniciativa do príncipe.

Nasceu aí a minha profissão. A piada muda, a história em quadrinho, a tira diária, tudo isto passou a se chamar cartoon no mundo inteiro. Até mesmo o desenho animado, conforme todos que têm Net sabem.

Nas minhas páginas do Pererê, troquei o nome para cartum e a profissão por cartunista. Pegou. Quer dizer, o Jaguar, o Millôr, o Fortuna, o Cláudius, o Mário Vale, O Paulo Caruso, o Cau, o Lor, o Nilson, o Quinho, nós todos devemos o que somos ao Punch.

Estou contando toda esta história para dar-lhes uma triste notícia: o Punch morreu!

Cento e sessenta e um anos depois de ter participado do verdadeiro começo da popularização da luta pelas idéias, o punch, um dos seus símbolos, a mais antiga revista do mundo, fecha os seus olhos sagazes.

Ele foi comprado e fechado por Ai Fayed, o pai do rapaz que comeu e morreu com a Princesa, outro símbolo inglês. Ai Fayed é o cruzado ao contrário!

Não importa dizer que o Punch fechou suas portas para sempre, que deixou de existir exatamente no começo do século da Informática, da globalização, do século do fim da sofisticação do espírito humano, do século de conformismo e do consumismo, do século em que um dos homens mais ricos do mundo moderno não sabe o que comprou; ou sabe muito bem e se vingou.

Nada disso importa agora. O que importa, para mim, é saber que o Punch morreu. E, como na morte de Mário Lago, outro símbolo da dignidade humana, que também morre em data próxima e com quem, também, compartilhei pedaços imensos da minha vida, saber que a dor que sinto é a do fim dos tempos.

*Ziraldo é cartunista e escritor. É autor de diversos livros, entre os quais O Menino Maluquinho (Melhoramentos).

terça-feira, março 25, 2008

"Aula de criação de logotipo"















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Ps.: ainda estou tentando descobrir quem é o autor desta(s) charge(s). Desconfio que o anonimato seja proposital, em função do medo de represália, caso o autor seja chinês ou de alguma nação próxima. Se não for o caso e eu conseguir descobrir quem é, divulgo seu nome aqui.

Ps2.: para quem desconhece o contexto, ei-lo.

terça-feira, março 18, 2008

Quadrinhos e teatro...

... uma ligação pouco provável, e por isso mesmo interessante. Nessas horas gostaria que blog desse dinheiro, para eu ter como ir a Sampa conferir esta:




Quem me avisou foi o amigo Anderson Ribeiro. Ele me mandou este release:

"A Cia de Orquestração Cênica convida para a reestréia de Diálogo Inútil do Abismo com a Queda, peça inspirada em Beckett que utiliza a linguagem dos HQs e cartuns para narrar a história de um casal de velhos que estão juntos há 350 anos e voltam ao local em que casaram para se separar."

Informações básicas (o tradicional lide) sobre a peça você tem cutucando no cartaz ali em cima. No mais, fica essa curiosidade de saber como é feita essa mistura dos gêneros do teatro e dos quadrinhos.

Vale lembrar que há pouco mais de um ano postei aqui a reportagem de Mirella Falcão "Emoções cênicas quadro a quadro". Cutuque no título para (re)lê-la. É justamente sobre essa improvável mistura de gêneros, que eu tanto gostaria de ver na prática.

sábado, março 15, 2008

Pandorga da Lua

O problema de abrir uma exceção à regra é que essa abertura de precedentes abre caminho para outras exceções. Mas prometo que o tipo de post que neste exato momento você lê continuará sempre sendo exceção, não regra.

Aliás, este post novamente não surge por autoegocentrismo, mas por necessidade mesmo. Já há um ano de formado deste humilde blogueiro, e tenho de fazer por mim. Dar a cara a tapa, a soco e a pontapé.

Bueno, eis que publiquei no Overmundo a reportagem "Pandorga da Lua", sobre o grupo musical homônimo lá de Santa Maria, RS, que vem emocionando a todos com suas apresentações e suas oficinas.

Aliás, nem sei se dá para chamar de reportagem, alguns editores para os quais ofereci o texto questionam até que seja jornalismo. Isso porque usei uma linguagem mais poética, baseada em técnicas literárias que aprendi lendo o livro "Seda", do italiano Alessandro Baricco, e em preceitos do Jornalismo Literário.

Enfim, a reportagem está na fila de votação da categoria Overblog. Nem peço que você vote nela, porque não ganho nenhum dinheiro se o texto for para o ar, só mesmo uma sensação orgasmática de recompensa. Eheheheh. Mas gostaria que você (se puder, é claro) ao menos lesse e deixasse seu comentário/crítica/sugestão/alguma-outra-coisa-que-não-previ.

Bem, a reportagem está aqui!

Como se faz uma HQ - parte 2

O vídeo postado abaixo talvez seja o mais interessante que já divulguei aqui no cabruuum. Digo isso porque ele mostra o processo de construção da HQ "Octopus Pie" pela artista Meredith Gran. Não todo o processo, afinal nem imagino como se pode registrar em vídeo a criação de uma idéia. Mas do primeiro esboço à arte-finalização do roteiro, está tudo ali. E feito digitalmente!

É óbvio que esse é o processo de criação da autora, não dá para generalizar. Mas é uma bela amostra do trabalho que sustenta a idéia de uma obra em quadrinhos. Pois, claro, é a idéia (aliada ao modo como é feita a roteirização dessa idéia, senão bastaria ter idéias e correr pro abraço) que realmente importa.

"Octopus Pie" é uma webcomic de Meredith Gran. O link que recém pus aí está num inglês um pouco dificultoso de ler, um inglês para inglês ver. Mas dá para entender o teor da história, quem são as personagens, o estilo e o clima. Aqui tem uma entrevista em inglês com a autora, o que mostra que entrevistas ruins podem ser feitas em qualquer idioma. E aqui vai o site oficial da "Octopus Pie", onde são postadas periodicamente as novas histórias.

Como se faz uma HQ

sexta-feira, março 14, 2008

Pré-Vida

A coluna verde-claro, à direita deste humilde blog, está muito poluída. Ainda nascerá o dia em que farei uma limpeza. Por enquanto, peço que não repare nela, a não ser naqueles "Anúncios Google" acima do meu perfil.

[Até agora há pouco era apenas um anúncio, mas após escrever este post mercenariamente decidi pôr mais.]

Mas calma, não estou pedindo para você clicar ali e me ajudar a ficar rico. Isso é até impossível: na última consulta que fiz à minha conta no Google Adsense, eu tinha a bagatela de U$ 0,03 ("três centavos", só pra não parecer que é erro de digitação).

É problema meu, sei, e repito: não precisa cutucar ali pra me ajudar a ter condições de comprar uma laranja em dia de promoção do mercado perto de casa. Menciono isso apenas por causa deste post aqui, que saiu no blog do Alex Primo. Quem me avisou foi o colega de bloguismo e penúria Léo Foletto.

O gancho entre quadrinhos e anúncios (mal) pagos está evidente no link ali em cima, não preciso explicar. Aproveito e (re)indico a seção Pós-Vida do blog do Alex, que retrata com bom-humor a vida acadêmica sob o ponto de vista dos quadrinhos.

terça-feira, março 11, 2008

Jornalismo em Quadrinhos

A revista Língua Portuguesa publicou uma belíssima reportagem sobre o Jornalismo em Quadrinhos (ou Jornalismo Gráfico) no Brasil e no mundo. O principal mérito, aliás, é falar da terrinha, pois pouco se sabe sobre as reportagens nesse formato que já foram publicadas e feitas aqui.

Como se não bastasse, a matéria toda é bastante completa, talvez a mais completa que já li sobre o tema. Tem até uma espécie de manual com dicas para estudantes de jornalismo que queiram se aventurar no ramo das reportagens gráficas.

Leia a matéria da revista Língua Portuguesa cutucando aqui!

domingo, março 02, 2008

Persépolis(s)

Em algum lugar na internet, agora não me lembro exatamente onde, li uma crítica comparando a história em quadrinhos Persépolis à sua posterior adaptação para o formato "animação". Dizia o articulista que, apesar do filme ser muito bom, perdia-se muito do que se obtém apreciando a história no formato livro, que é: poder interromper a leitura quando bem lhe apetecer para refletir sobre as páginas que ficaram para trás. A ininterruptividade dos instantes da sétima arte - a não ser que se assista em casa, como eu fiz - faz com que os milhares de frames que se seguem empurrem com veemência o último assistido para o passado. Sem tempo de muito pensar.

A crítica procede, e eu assino embaixo no que toca à diferença entre o formato "literatura" e o formato "cinema". Acabo, porém, de assistir ao filme Persépolis e, nesse caso específico, vejo que a essência da história foi mantida, entendendo que o clima reflexivo faz parte dessa essência. Isso foi conseguido com os recursos específicos dessa linguagem. A animação, além disso, conseguiu uma independêndia da obra escrita/desenhada, tendo méritos e vantagens por si só. Tivesse a animação surgido primeiro, o livro é que estaria sendo discutido aqui, comparativamente.

Não vou colocar links para trailers de Persépolis. No YouTube há vários, você mesmo encontra. Os que vi, porém, me deixaram com uma idéia errada do que seria o filme. A magia e a riqueza da linguagem (tanto dos desenhos quanto dos recursos sonoros) adequada ao enredo da história (que é o fundamental compartilhado pelas duas obras) fazem de Persépolis um filme a ser assistido. E do livro, um livro a ser lido. Em qualquer ordem: tanto faz quem tenha vindo primeiro, se o ovo ou a galinha.

Para finalizar, um novo gancho para falar aqui de pérolas que não dizem respeito diretamente a quadrinhos, mas, como pérolas que são, não devem deixar de ser faladas: quando Marjane Satrapi, a protagonista-autora dos dois Persépolis (embora, justiça seja feita, no filme a função dela é de co-autoria), abandona de vez o Irã rumo à França, agora adulta e dona de si, há uma cena de despedida no aeroporto em que ela comenta que nunca mais verá a avó, pois esta morre pouco tempo depois. A frase que resume a sensação da partida: "a liberdade sempre tem seu preço".

O gancho é que esses dias li o belíssimo texto "Até que sejamos pó", no blog ArTorpedo, de Anderson Ribeiro. Leia-o, e veja se o gancho se confirma!

Bueno, é isso. Estou com uma linguagem pomposa hoje, mais por ironia do que por adaptação ao estilo. É que estava lendo um longo trecho de Dom Quixote em que o protagonista faz um discurso comparativo entre o Militarismo e a Erudição, favorecendo o primeiro. O estilo me contaminou.