quinta-feira, março 30, 2006

Não é só o Popeye que gosta de espinafre...

Fazia tempo que aquela garota morena de semblante nipônico me mirava com seus olhos indecisos. Atrás dela, o fundo colorido, que não se sabia verde nem se resolvia azul, contribuía para o cenário de indecisão, quem sabe prévia de decisão.

Eu mesmo me via em dúvidas tanto quanto. Mas eu era conseqüência, não causa. O olhar de Yukiko era quem governava e me dava vontade de sair à francesa, mas também de ficar e puxar a garota de encontro a mim, como se eu fosse um samurai e conhecesse seus segredos milenares.

Por tantas tardes ficamos assim, nesse clima verde-azul, até que dias atrás eu cansei desse meio-tom e fui, com meu pincel, em direção ao espinafre dela... De repente, surgiu um arco-íris!

Apresento a vocês, agora, Yukiko:


[Você também pode marcar um encontro com ela cutucando com o mouse em cima da figura. Vá lá, eu não fico de cara. Juro!]


Na verdade, esse é O Espinafre de Yukiko, livro escrito pelo quadrinista francês Frédéric Boilet. Há meses um amigo me emprestou uma edição, mas eu, sem tempo para ler, abandonei-a na estante. Até que anteontem, num rompante, decidi lê-la. E, em menos de uma hora, um deleite de Nouvelle Manga passou a fazer parte do meu repertório quadrinístico.

Mas vamos com calma, é muita informação. Vamos respondendo às questões que forem surgindo:

* De que se trata o livro?
Bem, trata-se da história de um francês (provavelmente o próprio autor, embora talvez não em todos os momentos) que vai ao Japão para uma exposição de Nouvelle Vague. Lá, ele e um amigo conhecem uma garota japonesa, a tal Yukiko, que dá seu telefone para ambos. Mas é o francês quem toma a inciativa e começa a sair com ela. Após um tempo, porém, confessando estar apaixonado, Yukiko lhe diz que ela, ao contrário, está apaixondada pelo amigo dele. Que tem namorada... Complicado, né! Mas a história segue...

* E o que é "espinafre de Yukiko"? É alguma pornografia?

Olha, está mais para erotismo. Mas é melhor você mesmo ler e descobrir, senão perde a graça.

* Sou uma pessoa tão atarefada, tanta coisa pra fazer, agora mesmo tenho hora com pedicure, manicure e nickfury... Por que ler o livro?

Simplesmente porque O Espinafre de Yukiko muda a sua experiência de leitura de histórias em quadrinhos. Primeiro, porque a narrativa é praticamente visual, com poucos diálogos. Por isso, você tem que estar muito mais atento aos detalhes, como a reprodução das páginas da agenda do francês. Segundo, porque a forma de narrar é ousada e complexa: a partir do momento que Yukiko aceita que seu percurso seja quadrinizado, já que o francês é um autor de quadrinhos, a história segue um ritmo estranho, intercalando fatos novos com a repetição de fatos antigos. Pois, entre um encontro e outro com Yukiko, o francês começa a escrever O Espinafre de Yukiko. Ou seja, é uma metalinguagem, o livro sendo escrito/desenhado dentro do próprio livro.


O terceiro ponto a destacar é que a maioria dos desenhos são feitos em ilustração fotoscópica, quer dizer, são criados a partir de fotografias, com o autor tratando as imagens no computador (mais ou menos como na figura aí de cima, com a diferença que nesse caso a foto é mental). E, finalmente, ler O Espinafre de Yukiko é uma bela maneira de aprender na prática o que é Nouvelle Manga.

* E o que é Nouvelle Manga? E Nouvelle Vague? São de comer?

Não, não. Pelo menos a princípio. Se você não cutucou nos links lá em cima, eu tento explicar agora. Nouvelle Vague é uma vanguarda do cinema francês que contesta a forma narrativa e, principalmente, as temáticas do cinema tradicional. A Nouvelle Manga, portanto, é um movimento com inspiração na Nouvelle Vague, tentando explorar o intimismo da primeira, só que nos quadrinhos. São portanto, HQs que falam sobre coisas do cotidiano, como se pode ver em O Espinafre de Yukiko.

Além disso, a Nouvelle Manga também faz intercâmbio com a forma experimental de narrar dos quadrinhos japoneses, vulgos mangás, e com a epopéia visual dos HQs franceses e belgas. O criador do movimento é o próprio Frédéric Boilet, que é seguido por autores como Kan Takahama, Hideji Oka e Little Fish.

* Tá, mas quem é esse tal de Frédéric Boilet?

Bem, ele é, em suma, um francês que faz mangás. O surpreendente é que ele consiga fazer sucesso na área, já que o estilo de se fazer quadrinhos no Ocidente é muito diferente do que no Oriente. Scott McCloud, a propósito, comenta a diferença no livro Desvendando os Quadrinhos: os quadrinhos ocidentais são publicados em gibis curtos onde a ação é predominante; eles querem levar você a algum lugar; já os orientais valorizam mais o estar em algum lugar, portanto os mangás são publicados em forma de livro, com centenas de páginas.


[o autor, de dois jeitos diferentes. O primeiro, numa foto. O segundo se pode chamar de um auto-desenho, se isso existe...]

Frédéric, apesar de ser francês, identificou-se mais com o estilo oriental. Suas obras seguem essa linha, embora ele misture elementos ocidentais também. Vale a pena conferir o site do autor, onde há inclusive um manifesto da Nouvelle Manga, para você entender melhor. Vá para lá agora!!!

Um comentário:

Fran Rebelatto disse...

Olá augusto...Confesso que esse teu pequeno post, me esclareceu várias dúvidas,mas principalmente me suscitou uma grande curiosidade, acho que vou ter que ler e para isso comer mais espinafre, heheheh..

Beijos...