quarta-feira, novembro 30, 2005

Semiótica dos Malvados

Até agora não disse o porquê do meu interesse por quadrinhos. Bem, li muitos gibis quando era piá. Tinha em torno de 400 exemplares, de Turma da Mônica e Disney aos heróis da DC e da Marvel Comics. Depois, anos mais tarde, veio o fundamento científico: participo do Grupo Imagem, grupo de pesquisas sobre imagem orientado pelo professor Adair Caetano Peruzzolo na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Nele - no Grupo Imagem, não no professor - cada um aplica os estudos do grupo em uma área. Eu escolhi os quadrinhos. Especificamente, jornalismo em quadrinhos, mas falo disso outra hora.

O que quero dizer é que o meu trabalho faz uma ligação entre quadrinhos e semiótica. Tem até uma comunidade no Orkut sobre isso. Não fui eu que criei, mas acho interessante ilustrar pra mostrar como é possível fazer essa ligação, além de deixar claro que isso não é coisa de um "exército de um homem só", usando a metáfora do Moacyr Scliar, escritor gaúcho.

Enfim, alguns conhecimentos de semiótica - principalmente de análise de discurso - são importantes pra a gente entender as estratégias de produção de sentido em uma obra. Como exemplo, a tira Malvados, do André Dahmer. Vamos tentar analisar alguma coisa nela:



A primeira coisa que noto é que as personagens são desenhadas de forma a conotar agressividade. Isso se faz através das formas pontiagudas, ou seja, formas que "ferem" (como uma faca, por exemplo, que tem forma pontiaguda). Boa parte dessa agressividade poderia ser amenizada pela figura do círculo, mas mesmo este é riscado de forma irregular, provocando desconforto (compare com a forma arredondada e suave das personagens da Turma da Mônica, por exemplo, e você verá a diferença na produção de sentido).

A representação do rosto na tira do André Dahmer também é estratégica: é feita em forma de cartoon, ou seja, com poucos detalhes, de modo a provocar a identificação do leitor. Um desenho extremamente cheio de detalhes provocaria o efeito contrário: o leitor teria a impressão de estar representando uma outra pessoa que não ele mesmo na tira.

No mais, os quadros são retos (ainda não vi uma tira do Dahmer que fugisse do esquema de três quadrados de tamanho fixos) e as letras não têm serifa. Isso também é agressivo, o que vai bem ao encontro da proposta do Dahmer: algo que se impõe, fixo, estanque, irrevogável, direto. Portanto, o autor está sabendo que estratégias discursivas usar para produzir os sentidos que deseja.

Agora, fugindo um pouco da semiótica: eu me surpreendo como com poucos traços o Dahmer consegue dar tanta expressividade às suas personagens. A cada desenho, muda a perspectiva e a posição desses traços dentro dos rostos e, com isso, muda tudo o que esses rostos expressam. Sem falar que eles passam a impressão de tridimensionalidade.

Bem, vou mostrar a tira pro professor Adair e ver que mais podemos tirar daí. Amanhã tem mais, então!

segunda-feira, novembro 28, 2005

Malvados, hoje sem a "marvada"

Promessa é dívida! Assim como dinheiro emprestado também o é, mas não vem ao caso. O que quero dizer é que, como prometi ontem, hoje falo mais sobre o trabalho do André Dahmer.



Ele é carioca formado nas praias do Rio de Janeiro e em Design pela PUC de lá, tem mais de trinta anos e publica a tira Malvados no Jornal do Brasil, a convite do Ziraldo (cutucando neste link você fica sabendo onde mais o cara trabalhou, se quiser). Este ano, Dahmer lançou o livro Malvados, após três temporadas publicando na internet.

Mandei-lhe um e-mail querendo saber outras coisas. O Dahmer respondeu (com toda a graça possível a alguém que vive sendo abordado por jornalistas): "a imensa maioria de suas perguntas outros jornalistas já fizeram". E me passou uma entrevista que deu para um veículo online. Como cheguei atrasado e não quero sentar na janelinha, passo o link pra vocês!

No mais, só uma navegada pelo www.malvados.com.br já é um bom e-programa. E nem estou falando das tiras, que dispensam mais apresentações.

À esquerda, na tela, as seções Capitalismo (coisas para vender, como canecas, agenda e, quem sabe, o livro), Socialismo (a parte da interação com o leitor, cujos comentários estão no irônico link "Falou sem saber") e Anarquismo (onde, em vez de pedir que Fale Concosco, o Dahmer diz Reclame Aqui). No cabeçalho da página, todo dia tem uma nova, digamos, "pré-tira". Hoje, por exemplo, o personagem anuncia "uma série criada para que a indústria possa vender novos bonequinhos".



Enfim, é um belo site. Por isso não vou tentar te prender por mais tempo. Vá lá! Mas não esqueça de voltar aqui dia desses...

domingo, novembro 27, 2005

Aprecio um ato de coragem

Como este aqui:


[humilde exemplo borrástico do www.malvados.com.br. Veja o contexto original cutucando com o mouse em cima da figura!]

Bem, faltaria eu com a ética, a justiça e a sacanagem se ao analisar essa singular tira do André Dahmer não me colocasse nas mesmas condições do criador. E eis que borrachisticamente vos falo!

Como significado primário, as linhas e formas indicam exatamente, sem margem para dúvidas, que linhas e formas foram desenhadas. Secundariamente, as linhas e formas conotam algo mais que linhas e formas: linhas e formas dizendo alguma coisa: em suma, que a tira fala sobre álcool e também sobre seus efeitos de sentido alcoólicos.

Já numa leitura polissêmica (que, neste específico caso, surge como a mais correta), tenho liberdade pra dizer que o autor empírico talvez estivesse com cãibra na mão, provocada por uma doença conhecida como lupulus embriaguices...

Enfim, há tempos que quero falar da tira Malvados, do André Dahmer, e hoje dou uma pequena amostra. Ou melhor, um pequeno gole. Gole da bebida que desce quadrado, e não redondo. Afinal, estamos falando de quadrinhos...

sábado, novembro 26, 2005

Milagre em três cores, que não RGB

Quem trabalha com imagens com certeza sabe o que é RGB. A sigla é composta pelas inicias de red, green e blue, respectivamente as cores vermelho, verde e azul, em inglês. Através dessas cores podem ser formadas todas as outras.

Hoje, porém, quem trabalha com futebol (e, principalmente quem não trabalha sábado de tarde e ficou em casa assistindo ao jogo) com certeza sabe que as cores principais, neste dia 26 de novembro de 2005, são o azul, o preto e o branco.

Sim, obviamente estou fazendo uma alusão ao imortal tricolor, que a gente segue onde ele estiver: o Grêmio Football Porto Alegrense. Ué, mas este não é um blog sobre quadrinhos? Bem, senhores incautos, a minha resposta é simples: eu não falar do Grêmio hoje seria o mesmo que o mundo estar acabando e eu ignorar o assunto aqui no blog, só porque o tema é quadrinhos. Afinal, o clichezão nunca se fez tão exato: o que aconteceu hoje em Recife é do mesmo gênero de uma catástrofe mundial. Foi, realmente, um milagre!


[A foto estava no site oficial do Grêmio, só puxei pra cá]


Placar do jogo: 0 x 0. Dez minutos pra acabar. Bola na mão do gremista dentro da área. Pênalti. Segundo os especialistas, mal marcado. A partir daí, é empurrão no árbitro, expulsão, bolinho em volta do árbitro, pontapé no árbitro... tudo-no-árbitro! E, como a melhor defesa é o ataque, para defender o pobre coitado a Brigada chega dando jogo de corpo nos jogadores gremistas. Certamente era lance para cartão.

O jogo parou por uma meia hora. Quando voltou, o Grêmio estava só com 6 jogadores na linha. O Náutico jogando em casa, com o time completo. E um pênalti (que, resultando em gol, garante a subida à primeira divisão do Campeonato Brasileiro) a ser cobrado.

Os gremistas não cavaram falta nem nada, mas cavaram um buraco na marca do pênalti, em protesto. A minha debochante teoria é que o atacante do Náutico ficou com medo de cair ali dentro. Bateu, o goleiro defendeu. Primeira parte do milagre.

Aí o Grêmio parte para o ataque com um jogador, que sofre falta (detalhe supérfluo: o adversário é expulso). A cobrança é rápida e o Anderson, guri gremista, parte com a bola pra dentro da área, passa por dois, toca na saída do goleiro e...

Nem preciso dizer! Olhem tudo que é noticiário! Algo nunca antes visto no futebol!

Mas, enfim, pra não dizer que eu não fiz um gancho com quadrinhos, deixo aqui o mascote do Grêmio. É um belo desenho, vale a pena ver. Principalmente pela história dele, cujo mais recente capítulo eu contei pra vocês agora, brevemente. Não deixem de ler o resto, por aí. Lá vai:

sexta-feira, novembro 25, 2005

Post-tira

No primeiro post, falei da definição do Scott McCloud sobre quadrinhos. No segundo, falei das tiras animadas do Luis Fernando Veríssimo. Pois bem, vou juntar os dois agora!

No Desvendando os Quadrinhos, McCloud define quadrinhos primeiramente como "arte visual em seqüência". Sim, mas as animações não são arte visual seqüencial também? Pois é, daí o cara chegou a essa diferenciação: nas animações, a seqüencialização é temporal, ao passo que nos quadrinhos ela é espacial.

Entendeu? O encadeamento das ações nas animações, que segue o padrão do cinema (vários-fotogramas-por-segundo), é diferente da dos quadrinhos, onde o mesmo efeito é dado pela justaposição (leia-se "colocá-los lado a lado") dos quadros.

Portanto, já achamos - o Scott McCloud e eu, malandramente me metendo no meio - uma ligação entre quadrinhos e animação. Razão pela qual recomendo visitarem o blog Rumos Animação. Fiz mais ou menos o mesmo comentário daqui lá.

quinta-feira, novembro 24, 2005

Minhocas sobre as Cobras do Veríssimo

"- Flecha, você me ama?
- Sim.
- Mais do que a você mesmo?
- Aí seria fanatismo, Shirlei."

Eu pretendia escrever sobre isso, o humor das Cobras, tiras do Luis Fernando do Veríssimo, mas como existe um ditado que eu adaptei para "vivendo e se surpreendendo", vou falar sobre isso e mais um pouco.

Bem, minha discussão seria sobre a velha tese do "o-veríssimo-faz-aquelas-cobras-então-eu-também-posso-fazer-charges". Claro, aí está incutido algo que eu concordo: não é só a qualidade do desenho que torna bom um quadrinho. É necessário um bom argumento, uma boa idéia. Mas esta sozinha, ou melhor, acompanhada de um mal desenho dificilmente se sustenta.

Veja que pra você gostar de uma charge cujas personagens hipoteticamente fossem bonecos-palitinhos, o argumento teria que ser genial. E, veja-parte2, argumentos geniais em charges eu só lembro de ter visto nas tiras do Veríssimo, seja nas Cobras, seja na Família Brasil. E, mesmo usufruindo desses rompantes de gênio, nem o Luis Fernando Veríssimo ousou fazer charges com palitinhos: criou dois personagens, um cenário, um enredo. E usou uma técnica simples de desenho (que, por ser simples, não quer dizer que não seja uma técnica) pra tornar real a sua idéia.




Assim, se não se pode dizer que o LFV desenha bem, é igualmente absurdo alguém encontrar indícios concretos para dizer que o cara desenha mal. O Veríssimo repete nas charges o segredo das suas crônicas: usa e abusa da simplicidade pra dizer coisas complexas, humorísticas. E a genialidade está em fazer isso usando duas cobras, e não em ter um texto bom adaptado a alguns riscos dentro de um quadro. Porque aí seria melhor fazer um texto, não uma charge.

Até porque o LFV produziu um jornal - Pato Macho, o nome - com charges já em 1971. De lá pra cá são 34 anos (obviamente que ele deve ter começado a desenhar antes, mas esnobemente vou ignorar isso, pois já tenho números suficientes pra vencer essa discussão-solo)! Ou seja, se em mais de três décadas o Veríssimo não tivesse aprendido alguma coisa de desenho... Daí que defendo que desenhar cobras é uma opção, não uma necessidade.


Mas, enfim!, se alguém pensa diferente, a gente pode discutir outra hora. O que queria ressaltar é que, navegando pelo site do cara achei a seguinte novidade:

"Durante as duas décadas em que foram desenhadas por Verissimo, as Cobras divagaram sobre a imensidão do universo, conversaram com Deus, participaram de eleições, montaram times de futebol, mas uma coisa nunca tinham feito: mover-se. Pois agora elas se movem, como provam as tiras animadas acessíveis nesta página."

Ou seja, as Cobras agora são animadas, ou, quem sabe, mais animadas. Vá lá, visite o site e se engane com os próprios olhos! Quem sabe você também se anima um pouco... Eheheheh.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Voando com balões onomatopéicos

É, quem disse que é fácil bolar um nome pro blog? Do óbvio Quadradinhos (ululantemente descartado depois que uma colega da Publicidade largou a mesma idéia, de primeira), passando por Quadrado Mágico e afins, cheguei à conclusão que eu deveria sair com um mínimo de honra nessa história: não usar a palavra quadrinhos! De jeito nenhum! Nem assemelhados!

Daí passei a refletir sobre a definição do Scott McCloud de quadrinhos como "imagens pictóricas e outras justapostas em seqüência deliberada destinadas a transmitir informações e/ou a produzir uma resposta no espectador". Ora, aí a alma dos quadrinhos seria o quadro, justamente. Mas, quem sabe, não fosse o balão? Sei, é possível fazer quadrinhos sem balão. Mas aí é como jogar futebol sem bola: coisa de gênio tático. Ou maluco! Pouco sei sobre a origem do balão, mas que não dá pra dissociá-lo da história dos quadrinhos, não dá, não!

Vou listar só alguns exemplos do que saiu daí, por vergonha: Balão Mágico, Balão de Hélio, Balão H (não me pergunte por quê, foi um amigo que sugeriu), Balão a Gás, Balão Onomatopéico! Isso, Balão Onomatopéico! Afinal, as onomatopéias são outras características da alma dos quadrinhos, no meu ver.

Estava feito. Balão e onomatopéia. Duas coisas numa só. Fácil de guardar.


[Tirei esta figura copyleftmente do site http://www.publico.clix.pt/sites/coleccaojuvenil/livros/01.80dias/texto2.htm]


Mas, sabe como é, esse processo criativo tem horas que não cessa. Quando me dei por conta, já estava bolando onomatopéias pra usar de nome do blog: RATATÁ, BLAM, POF... E por aí vai! Tive poucos critérios de escolha. Daí que fui consultar o famoso BUM, A Explosão Criativa dos Quadrinhos, do brasileiro Moacy Cirne, em busca de inspiração. Não deixa de ser interessante: o autor fez uma pesquisa sobre as onomatopéias mais usadas nos quadrinhos (além de graciosamente me informar que o primeiro registro onomatopéico que ele tem notícia é de 8 de dezembro de 1907, em Little Nemo in Slumberland, de Winsor McCay: ZZZZ, UH, UMPH e BOOM). Vou colocar aqui os três primeiros lugares:

1. BAM (9,9%) - tiro de revólver / batida
2. CRASH/CRACK (4,2%) - objeto (vidro, madeira) sendo quebrado
3. BLAM (3,2%) - porta ou janela fechando / batida de automóvel

Daí me veio o nome para o blog CRACK PLOFT BUUUM (este último, o som de uma explosão, amargando um mero 6º lugar no ranking onomatopéico; o do meio nem aparece em nenhuma lista, acho que é criação minha. Representa o som de uma bicicleta caindo com os pneus bem cheios, um saco de carvão no bagageiro. Detalhe: a bicicleta cai no barro, num dia de chuva). Esse endereço foi criticado por ter muitas letras. Abrasileirei para CRAC PLOF BUM. Mesma coisa: muitas letrinhas, difícil de guardar o endereço.

Aí um amigo deu a sugestão: usa uma onomatopéia só, seu jaguara! Acatei, que nem guri medroso, e fiquei esperando me surgir o dito cujo, ou melhor, a dita cuja, que me inspirou temporariamente outro nome pro blog: Senhora Onomatopéia. Como não veio, botei CABRUUUM, que encantou a colega de Publicidade. Tem até um referencial teórico: Cabrum é som de tempestade, que é mais ou menos a proposta deste blog: uma brainstorm, ou seja, uma tempestade de idéias. De idéias quadrinísticas, óbvio.

No mais, usar onomatopéias no título não é nenhuma novidade. Tem o livro do Moacy Cirne e dois do Álvaro de Moya, Vapt-Vupt e Shazam. Mas, enfim!, se é para ser óbvio, pelo menos estou bem acompanhado...