quinta-feira, outubro 18, 2007

O novo livro de Scott McCloud

Se você consultar a bibliografia de trabalhos (acadêmicos ou não) sobre quadrinhos, certamente encontrará duas obras que se repetem em todos eles. Uma dessas obras* é Understanding Comics, no Brasil traduzida como Desvendando os Quadrinhos, do estadunidense Scott McCloud. Desvendando foi publicada em 1993 e trata-se de uma sólida base teórica e prática sobre HQ. Além de teorizar sobre quadrinhos, seus elementos narrativos e sua história, McCloud também usa conhecimentos de áreas como semiótica e estudos da imagem. E o mais impressionante de tudo isso: a teorização sobre quadrinhos é feita, justamente, em quadrinhos.


Outra obra comumente citada** de McCloud é Reinventing Comics, do ano 2000. O título foi traduzido literalmente na versão brasileira. Não li Reiventando, mas sei que seu objetivo é mapear a produção atual de quadrinhos e os caminhos que ela deve seguir nas gerações futuras. Parece que o livro dá um grande espaço para os webcomics, quadrinhos feitos especialmente para a internet e que contam com os recursos da web para fazer experiências hipertextuais.


Pois bem, de agora em diante, outro trabalho do McCloud virará bibliografia básica de quadrinhos: Making Comics foi traduzido para o Brasil como Desenhando Quadrinhos, o que certamente vai causar muita confusão com a primeira obra. Mas não se engane, pois McCloud publicou Desenhando, nos Estados Unidos, em 2006, portanto treze anos depois de Desvendando.



A tradução de Desenhando ficou pronta agora, pela M. Books, mesma editora das outras obras. Não entendi por quê, mas a ficha catalográfica registra o livro como sendo de 2008. Enfim, isso é irrelevante. O que realmente importa é que recebi um exemplar da editora, para avaliação, e divulgo-o agora. Mas divulgo porque gostei e realmente me fez fechar a última página me sentindo uma pessoa diferente do que quando abri pela primeira vez o livro.

Desenhando também é feito em forma de quadrinhos. A personagem Scott McCloud está um pouco mais redonda, e as laterais do seu cabelo estão encanecidas. O que ele nos oferece agora é uma espécie de manual sobre a narrativa de quadrinhos, envolvendo aspectos como texto, imagem e a intersecção de ambos. Aliás, o subtítulo resume assim: "os segredos das narrativas de quadrinhos, mangás e graphic novels".

O segundo capítulo é especialmente importante no conjunto da obra. Dali tirei lições que facilmente podem ser transpostas para outras artes. No meu caso, aprendi muito sobre composição de personagens e cenários, o que espero usar em textos literários. Portanto, o que Desenhando ensina não é exatamente a desenhar - no máximo a "escrever com imagens", como sugere o título do primeiro capítulo. Antes, porém, Desenhando é um manual sobre "como fazer" quadrinhos, embora McCloud ressalte a todo momento que não se trata de querer que façam quadrinhos do mesmo modo que ele faz. O livro é, sim, um compêndio de técnicas que não dependem do autor. Algo como uma oficina literária, só que para quadrinhos.

O livro também dedica um bom espaço, em seu fim, para falar sobre ferramentas de desenho, sobre estilos, gêneros e cultura dos quadrinhos, e sobre o mercado de HQ. Também há muitas notas ao fim de cada capítulo, além de exercícios para quem quiser ir pondo em prática o que lê. Sem falar no intercâmbio com a internet, pois o site de McCloud inclusive hospeda o capítulo "5 e meio", uma extensão do quinto capítulo do livro, além de notas constantemente atualizadas.

De início, fiquei pensando na dificuldade que McCloud teve para fazer essa obra no formato de quadrinhos, haja vista a genialidade e a busca pela perfeição presentes em cada um dos quadros. Depois, porém, pensei: uma teorização desse nível não poderia existir senão nesse formato de quadrinhos. Leia e tente imaginar tudo que está dito com texto e imagem sendo exposto apenas por meio de palavras.

Minha opinião pessoal é que realmente se trata de uma obra fundamental. E fundamental para quem começa nos quadrinhos, para quem já está está há algum tempo e mesmo para quem é veterano na área. Passamos a gostar mais de HQ lendo McCloud. Acho que isso se dá também porque a postura dele diante do conhecimento que expõe é, ao mesmo tempo, madura e divertida. Afinal, muitas vezes ele relativiza seu próprio conhecimento, questionando a si mesmo, dizendo ao leitor para não levá-lo ao pé da letra.

"Faça testes, veja o que funciona no seu caso e construa seus próprios instintos por meio da prática. Mas quando esses instintos falharem - e isso acontece com todos nós... - esse [livro] é um mapa rodoviário que pode pô-lo de volta na trilha". Isso diz o McCloud no página 140, depois de mais de dez páginas discorrendo sobre a intersecção entre texto e imagem. No fim, o conselho vale para todo o livro, como o próprio McCloud diz, na página 180: "desenhe com os olhos, não com os ouvidos".

Com certeza há partes de Desenhando que podem ser questionadas, mas o autor mesmo abre espaço para isso. No fim do livro, McCloud faz previsões sobre como será a nova geração de quadrinistas, além de propor um esquema para definir tendências artísticas. Isso tudo poderá ser questionado, mas será questionado a partir de Desenhando. Porque, se não fosse ele, talvez nada disso viesse à tona.

***



* A outra obra sempre citada em bibliografias é Quadrinhos e Arte Seqüencial (1985), de Will Eisner.

** Eisner tem outra obra citada com freqüência. Trata-se de Narrativas Gráficas (1996). A produção de Eisner está encerrada, porém, pois ele faleceu no início de 2005.

Um comentário:

Leonardo disse...

Já te falei antes, mas repito: tu tá bem na foto.
Próximo passo é te mandarem passagens para cobrir algum evento de quadrinhos no exterior :)