sexta-feira, abril 04, 2008
"Batman x Sepé Tiaraju", por que não?
Considero um achado o livro em quadrinhos que dá origem a este post. Veja por quê.
Eu tinha dois ou três anos de idade quando em 1988 foi lançada a adaptação para quadrinhos do romance histórico "Sepé Tiaraju", do escritor Alcy Cheuiche (só pra ter referências, ele foi o penúltimo patrono da Feira do Livro de Porto Alegre/RS). É óbvio que eu estava, nessa época, envolvido com questões próprias da infância, então não tive tempo de ir no lançamento. Mas me diz o Alcy agora, por telefone, que aquele foi "O" evento, com apoio de uma importante instituição do estado, que adotou a obra para comemoração do seu aniversário. Na sessão de autógrafos havia painéis com páginas da obra em quadrinhos pendurados nas paredes.
Perdi essa... Mas também, não se pode estar em todas!
Treze anos antes, em 1975, o Alcy havia publicado o romance em prosa, que conta a trajetória de Sepé Tiaraju, líder da resistência indígena aos efeitos do Tratado de Madri (1750) nos Sete Povos da Missões (onde hoje fica a parte oeste do Rio Grande do Sul). Aliás, o romance conta desde antes, desde quando o jovem holandês Michael veio para a América, transformando-se depois em Padre Miguel. Foi o padre quem salvou Sepé da morte prematura na infância, tornando-se uma espécie de pai para o menino.
Diz o Alcy no prefácio da adaptação para quadrinhos: "A República Guarani, experiência única de uma sociedade socialista cristã, feita pelos jesuítas durante 150 anos da América do Sul, foi qualificada pelo filósofo Voltaire como um verdadeiro triunfo da Humanidade. [...] Sepé Tiaraju, o índio guarani que foi prefeito de São Miguel Arcanjo, unia às características atávicas da raça uma cultura superior que adquirira com os padres jesuítas. Este livro ilustrado é essencialmente a sua estória. Mas é também a estória das Missões do Rio Uruguai." Portanto, é um livro sobre Michael e Sepé, mas também sobre o passado histórico do estado, tendo aventura, romance, drama...
A adaptação para quadrinhos foi feita pelo uruguaio José Carlos Melgar. Ele morava em Porto Alegre na década de 1980, quando teve acesso ao romance e decidiu contatar o Alcy. Melgar disse a ele que queria quadrinizar a obra. O Alcy topou, contanto que o texto do romance fosse para os quadrinhos tal qual é, sem tirar nem pôr. "Os quadrinhos se adaptaram ao texto, e não o contrário", me diz hoje o Alcy. É por isso que na capa do livro diz "romance ilustrado", em vez de "história em quadrinhos", como de fato é.
Tratado de Cheuiche feito, Melgar iniciou uma grande pesquisa, sobre indumentária, costumes, arquitetura e tudo o mais envolvendo a história dos Sete Povos das Missões. O resultado foi uma obra em preto-e-branco com desenhos que, além de magníficos, são embasados por um rico conhecimento sobre a representação dos objetos no cenário e a caracterização das personagens.
A edição em quadrinhos de "Sepé Tiaraju" que tenho em mãos é a segunda, de 1994, quando eu estava no auge dos nove anos e era um indiozinho loiro. Ainda houve outra edição, em 2006, eu já com barba na cara. Já faz alguns meses que busco a cópia digital dessa última edição. Queria disponibilizar para baixar aqui, graças à cortesia do Alcy e da editora que atualmente detém os direitos autorais da obra, que autorizaram. O problema é que ninguém mais tem a bendita cópia, e achar a versão impressa já foi uma martírio para mim.
Mas eu não queria falar de algo que você não tem acesso... É como se eu falasse sozinho!
Bueno, se você for raçudo e quiser ir atrás dessa preciosidade, há alguns meios:
* A segunda edição em quadrinhos de "Sepé Tiaraju" foi publicada pela editora Martins Livreiro. Restam (se é que restam) poucos exemplares, mas talvez você tenha sorte. Ligue para a editora - 51 3224 4798 - e fale com a Márcia. Ela se dispôs a tentar achar alguns exemplares.
* Você pode procurar em sebos, como o Traça. Mas já adianto que a chance é de uma em um milhão. A tentiada, porém, é livre...
* Talvez você tenha mais chance de encontrar um exemplar se entrar em contato com a editora PontoCom, a última a editar "Sepé Tiaraju" em quadrinhos: 51 3029 6626 ou 51 3019 1877.
* Como última hipótese, vale entrar em contato com o Comitê Sepé Tiaraju, coordenado pelo ex-deputado Frei Sérgio. Foi desse modo, aliás, que eu consegui meu exemplar. Fale com a Magali ou com a Sandra pelo 51 3286 6608. O telefone é da sede do Instituto Madre Cristina, onde o comitê está localizado.
Sepé Tiaraju em 2008/2009/2010...
Adaptar e não ter a vergonha de ser feliz. Péssimo trocadilho, mas não achei nada melhor pra começar este box sobre a versão para cinema de Sepé Tiaraju. Quem vai fazer é o Henrique de Freitas Lima. O projeto dele venceu dois concursos, já contando com alguma verba inicial para a pesquisa pro roteiro: uma do Ministério da Cultura, em que foi selecionado junto com mais nove trabalhos (isso, num total de 800 inscritos); outra do Ibermedia, um fundo internacional que o Brasil participa, junto com outros países. Henrique já adianta que o filme não se chamará "Sepé Tiaraju" (provavelmente "A outra face da utopia"), para não regionalizar demais. As falas serão em espanhol e guarani (Sepé falava esses dois idiomais mais o latim).
A adaptação para cinema coroa uma longa trajetória. Além da versão em quadrinhos, em 32 anos, o romance de Alcy Cheuiche já foi traduzido para o alemão, o espanhol e, pasme!, para o braile. Como me diz o Alcy, trata-se de uma obra base que permite a adaptação para outras plataformas.
Adaptar, porém, sempre é uma atividade controversa. Quando surge, uma obra é pensada num formato específico pelo autor, e muito disso pode se perder na passagem para outra linguagem, ainda mais quando feita por outra pessoa. No "Sepé" em quadrinhos, por exemplo, há balões de textos em lugares errados em algumas passagens. Exemplo: a legenda narrando uma ação depois que o desenho já mostrou essa ação; isso seria solucionado colocando o balão no topo do quadrinho.
A ordem de leitura em alguns momentos também é muito confusa, deixando o leitor na dúvida de que caminho deve seguir. Tentei entender como o Melgar pode ter errado aí, tendo o talento que tem (visível pelos desenhos). Talvez essa obrigação de usar o texto inteiro do romance possa ter atrapalhado. E também o processo de fazer uma página por dia, mandar para o Alcy e esperar a aprovação. Talvez (e isso é apenas uma hipótese, porque não acompanhei essa dinâmica) a visão do todo tenha sido, desse jeito, prejudicada.
Mas, enfim. No caso de "Sepé", mesmo com essas falhas, a adaptação para HQ acrescenta e muito. Primeiro, por tornar a obra mais atrativa. Afinal, há pessoas que se assustam ao ver páginas tomadas de letras, mas se motivam quando essas letras estão junto com desenhos (leia-se "quadrinhos"). Segundo, porque o conteúdo histórico de "Sepé" é tão forte que para apreendê-lo vale a pena se confundir um pouco com a narrativa.
Também não é tanta confusão assim. O que o romance clareia na nossa cabeça é muito maior.
Saiba mais
* Site oficial do Alcy
Postado por
Augusto Paim
às
1:24 PM
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3 comentários:
Augusto,
parabéns pelo Cabruuum, o blog tem se mostrado um grande veículo sobre quadrinhos, tanto para quem faz como para quem simplesmente curte ler.
Que venha mais e mais trovoadas.
Abraço!
Olá, Augusto.
Parabéns pela matéria. Minha relação com essa HQ é parecida com a sua.Eu tenho em mãos a 2ª edição também. Mas fiquei feliz em ler tua matéria.
Passarei por aqui outras vezes.
www.cruzaltino.blogspot.com
Adorei o post. José Carlos Melgar era meu avô.
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