domingo, outubro 11, 2009

Preciosidade

Felipe Muanis, pesquisador de Jornalismo em Quadrinhos, enviou o texto abaixo via grupo de discussão na internet. Gentilmente, Muanis permitiu que eu republicasse aqui no cabruuum. Trata-se de uma preciosidade. Lá vai!

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"La bête est mort: la guerre mondiale chez les animaux" é um quadrinho de 1944-1945, sobre a 2ª Guerra Mundial. Assim como o "Maus", de Art Spiegelman, as nacionalidades são diferenciadas por tipos de animais: os alemães são lobos, os soviéticos são ursos polares, os americanos são bisões, os franceses são coelhos, os italianos hienas e os ingleses são cachorros - Churchill retratado como buldogue está perfeito!

As páginas, bem coloridas à guache e em formato de prancha, chegaram a ser publicadas no fim da guerra, ainda que em preto e branco, no jornal L'armée française au combat, para depois virarem livro. Composto de duas partes, "Quand la bête est dechainée" e a segunda "Quand la bête est terrassée", o quadrinho foi escrito por Victor Dancette e Jacques Zimmerman, e ilustrado por Calvo, bastante assemelhado ao Tex Avery e influenciado por Walt Disney. Depois de anos sem republicação - fora republicado apenas em 1977 pela Futuropolis -, a Gallimard o fez em 2007, juntando as duas partes da história em um bem editado álbum colorido e com lombada de pano.

Poderiam haver críticas de que a história com animais infantilizaria a força do relato jornalístico, levando-a para o campo da alegoria - e de fato o trabalho foi publicado com o amparo de uma lei francesa de incentivo à publicações para a juventude -, por outro lado um quadrinho de guerra feito entre 1944 e 1945, narrando os acontecimentos com a licença poética utilizada, retrata a percepção do momento. Nesse sentido talvez se justifique o fato dele não explorar, talvez até mesmo pelo público do quadrinho ou por não haver ainda uma percepção do que ocorria de fato, as atrocidades dos campos de concentração, tornados públicos mundialmente no início de 1945. E talvez seja essa, a maior crítica ao trabalho.

Após um distanciamento histórico, o quadrinho francês acaba criando um interessante diálogo com o "Maus" de Art Spiegelman que se complementam, não apenas pela representação utilizando animais, ainda que por caminhos diferentes, em uma referência de ambos à Disney. "Maus" parece um terceiro capítulo de "La bête est mort", centralizando justamente na questão do Holocausto que não tinha sido explorado no trabalho da década de 1940. "Maus" é uma espécie de Lado B, que contrasta em seu preto e branco devastador, adentrando nos Campos de Concentração e em seus dramas e que continuaram a acontecer com seus sobreviventes após a guerra.

Seja como um documento, ou em diálogo com "Maus", "La bête est mort" é um exemplo bastante interessante de um jornalismo em quadrinhos feito há quase setenta anos. É uma pena que seja pouco conhecido. Eu mesmo achei por acaso apenas um exemplar, chafurdando em uma das muitas livrarias parisienses, no ano passado. Mas para quem se interessar, ainda é possível encontrar o álbum na internet. A edição da Gallimard custa em torno de 25 Euros. As edições originais, tratadas já como raridades, chegam a 300 Euros.

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