Quinta-feira passada, 8 de maio, Diogo Cesar e Pablo Mayer estiveram em Porto Alegre, RS, lançando o livro de quadrinhos "A casa ao lado".
Detalhes sobre o trabalho você encontra cutucando nos links que pus nos nomes dos autores, acima da capa do livro. Esses links vão dar nos respectivos sites, com todas as informações que você precisa.
Por ora, não vamos falar da obra.
O lançamento foi no GibiBar. Estive lá e pude conversar um pouco com o Pablo e o Diogo. Na teoria, o primeiro fez os desenhos, e o segundo (que também é desenhista) fez o roteiro. Na prática, um deu pitaco no trabalho do outro, e a idéia inicial do roteiro foi do Pablo. O Diogo pôs em prática.
Na semana passada os dois estavam numa maratona para o lançamento do livro em várias cidades. Tudo foi meio em cima da hora. Contando com verba da lei municipal de incentivo à cultura de Joinville, SC, os dois conseguiram uma editora - a HQ Maniacs - para publicar o livro. Fora isso, tudo foi feito por conta deles. Pablo, 21 anos, e Diogo, 27, conseguiram por méritos próprios fazer uma obra primorosa. O capricho visual, o papel em que foi publicado, o cheiro de livro bem feito... (é cheiro de papel couchée, claro, mas, somado à qualidade dos outros elementos, esse cheiro adquire outro sentido: o de um trabalho realmente profissional, igual a esses livros que você encontra em grandes livrarias).
Enfim, realmente um ótimo trabalho, fruto da boa organização e talento da dupla, que culminou numa bela obra, dessas que dá vontade de abrir e começar a ler imediatamente.
Por conhecer o trabalho do Pablo de outra época (em 2006, fiz um post sobre o trabalho dele, seguido de mais outro), embora apenas interneticamente, dei uma atenção especial à leitura do livro. Devo dizer que inclusive criei uma grande expectativa. Só para explicar que não foi apenas uma folheada que me motivou a escrever este post.
Sobre o livro
Enfim, após a leitura, observei algumas coisas que, a despeito da admiração que tenho pelo trabalho do Pablo e do capricho em que esse se concretizou na parceria com o Diogo, não posso deixar de citar. Falo de problemas na narrativa interna da obra. Espero que os autores não se chateiem nem se sintam diminuídos. Trata-se de uma crítica que, suponho, vem a acrescentar. Do contrário, se eu ficasse omisso e não falasse nada, aí sim estaria menosprezando o trabalho deles.
Bem, estou enrolando porque realmente não sei como este post será recebido. Mas chega, lá vai:
* "A casa ao lado" conta a história de um cara recém-separado que se muda para a casa em que cresceu. A tal "casa ao lado" é uma mansão mal-assombrada, no terreno vizinho. De vez em quando levanta uma neblina no quintal da mansão e acontecem coisas estranhas. O filho do protagonista é um dos que some nessa neblina, e esse conflito desencadeia a história. Enfim, o resumo do resumo. Mais do que isso é melhor você mesmo ler. O que quero marcar aqui é que é um enredo bem menos especial que o capricho dado à parte gráfica. É uma história que diz pouco sobre a vida, sobre o comportamento humano, sobre algo difícil de compreender e que a obra poderia iluminar. Naturalmente, existem obras e leitores para todos os gostos. Ainda assim, obras classificadas apenas como gênero "humor" ou "aventura" ou "suspense" ou "terror" podem ser ricas o suficiente para nos entreter e nos fazer pensar, ao mesmo tempo. Mas bem, é uma questão de gosto, muito provavelmente eu não seja público-alvo do livro. Embora eu seria de muito bom grado se, logo no início, quando o protagonista é acordado sábado de manhã pela vizinha tocando a companhia e a cena mostra um quarto jogado às traças, a história tivesse seguido esse estilo meio gonzo.
* O comentário que acabei de fazer pode ser interpretado como mera opinião. Ou melhor, deve. Agora, quanto aos problemas narrativos do livro, aí já é uma questão de falta de maturidade no domínio da linguagem. As informações importantes (ou não) à narrativa de "A casa ao lado" estão concentradas demasiadamente nos diálogos. Isso é questão de amadurecimento no trabalho com narrativas maiores. Como no meio da criação de um roteiro vão surgindo amarras para aparar e problemas para resolver, a solução mais à mão é ir acrescentando as saídas às falas das personagens. O problema é que o diálogo em uma narrativa têm funções muito mais específicas do que resolver esquecimentos narrativos. O diálogo apresenta personagens, cria climas e tensões, revela (pelas entrelinhas) o âmago de quem está falando. O bom diálogo, claro. Pôr informações nos diálogos é aproveitá-los mal. E, pior, tira a naturalidade da narrativa. Obviamente é algo difícil de ser dominado (eu mesmo não domino um diálogo na vida real. Ehehehe). Vale o toque.
* Explicando melhor, uma boa narrativa deve deixar espaço para a inteligência do leitor trabalhar. De modo que o que é óbvio não precisa ser dito, o leitor conclui imediatamente pelo encadeamento dos fatos. Por outro lado, há narrativas que exigem demais do leitor, e ele não consegue ir adiante com fluência. Digamos que encontrar o caminho do meio é o grande desafio. "A casa ao lado" não encontra esse caminho, o que não é problema em se tratando de autores tão jovens. Eles certamente podem estar na direção certa, se amadurecerem com os erros desse trabalho.
* Os desenhos. Realmente muito bons, mas falta a noção do "mínimo essencial". Ou seja, o desenho deve mostrar aquilo que é importante à narrativa e descartar o resto. Desenhos muito detalhados criam uma espécie de poluição visual. O leitor se pergunta: "peraí, em que parte da imagem eu devo prestar atenção? Será que há algum detalhe importante que não percebi, algo que fará falta para entender a história depois?" Mesmo que ele não se pergunte isso conscientemente, o ritmo da sua leitura será prejudicada pelo excesso de informações que ele recebe dos desenhos. Assim como comentei em relação aos aspectos da narrativa, o desenho também tem que correr atrás do caminho do meio. O autor deve se perguntar: "o que eu devo retratar aqui que, se eu não o fizer, deixarei de estar prestando uma informação fundamental ao leitor? O que eu posso descartar? Como ser eficiente na produção dos sentidos específicos que quero provocar?" Claro que há estilos de quadrinhos que prezam o detalhismo, mesmo em autores consagrados. No fim, podem dizer que é uma questão de filiação a uma escola. Mas digamos que se os autores estiverem em busca de um dia ter o domínio da narrativa envolvendo texto e imagens, devem atentar para essa questão do "mínimo essencial", tanto do texto e do desenho, quanto do encadeamento dos dois. Em suma, a narrativa tem que ser clara para dar espaço ao que é realmente importante aparecer expontaneamente (o humor inteligente, a emoção, a identificação, etc). E uma narrativa é clara quando não é pormenarizada e também quando não é cifrada demais.
Pablo Mayer e Mawil
Fazer comparações não é muito legal. Não mesmo. Mas, neste caso, creio vir a acrescentar.
Em janeiro deste ano, escrevi aqui neste blog sobre o quadrinista alemão Mawil. Cutuque aqui (abra em outra janela) para reler. O Mawil tem um trabalho fabuloso, tanto na questão narrativa (algumas soluções que ele usa são grandes sacadas) quanto nos temas que aborda.
Pois bem, eu já havia observado, e um amigo a quem mostrei o "A casa do lado" (e que já tinha, pela minha esfusiante propaganda, ouvido falar do trabalho do Mawil) disse o mesmo: Pablo Mayer tem um estilo muito parecido ao do quadrinista alemão. Não iguais, claro, que cada um tem o seu. Mas olhar o trabalho de um faz lembrar o trabalho do outro. Como tenho certeza que os dois não se conhecem, posso afirmar: são dois grandes talentos surgidos espontaneamente. E com estilos que, particularmente, me agradam muito.
No caso do Mawil, no post em que falei dele já disse tudo o que queria dizer (tive acesso a outro trabalho depois, também muito bom, mas não citei aqui porque o principal já estava dito). No caso do Pablo: os desenhos são de um vigor e de um estilo impressionante. É realmente curioso que um artista tão novo já tenha encontrado o seu jeito particular de se expressar. E uma expressão de alta qualidade, ainda por cima. Há maturidade de estilo.
Bem, Mawil tem isso e ainda algo que é a única coisa capaz de sustentar uma narrativa e um trabalho que perdure no tempo e no espaço: tem estilo e vigor também no aspecto narrativo, criatividade na hora de ter soluções novas ao narrar (sempre usadas com eficácia de produção de sentidos, claro, não pelo mero experimentalismo) e boas histórias para contar. Histórias que emocionam, que nos fazem pensar na vida, aprender sobre ela.
Digamos que, se o Pablo enveredar pelo caminho do Mawil, vai estar no caminho certo.
Quer dizer, não há um só caminho. E quem sou eu para induzir alguém a produzir algo que eu goste de ler? Enfim, esse intercâmbio pode ser útil mesmo num outro caminho que se queira seguir.
***
Epílogo:
Um blogueiro ranzinza
Sim, sim, já notei que ando ranzinza e rigoroso em alguns julgamentos que faço neste blog. Não pense que não me questiono: "tá, isso é rigidez na minha avaliação? Ou realmente o que eu apontei merecia ser apontado?" Esse autoquestionamento é constante.
No fim, acredito que esse ranço e essa ranzinzice é algo que surge naturalmente, à medida que se começa a ter acessos a grandes obras no formato quadrinhos. Quem lê Mawil, quem lê "Maus", quem lê Scott McCloud, quem lê os trabalhos publicados na revista Graffiti realmente fica mal/bem acostumado, já que aprende a saber tudo de magnífico e profundo que pode surgir da junção de texto e imagem, aprende a conhecer as grandes possibilidades e potencialidades de se trabalhar com quadrinhos. As exigências, portanto, passam a ser outras, maiores.
Associar quadrinhos a super-heróis e histórias para crianças, por mais que haja bastante mérito nisso, não é minha praia. E acredito que você, que lê este humilde blog, também está procurando outras coisas, fora do mamão com açúcar de sempre de quem fala de maneira rasa sobre quadrinhos.
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Estou certo?
sexta-feira, maio 16, 2008
O quadrinista (alemão) ao lado
Postado por
Augusto Paim
às
6:22 PM
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