Bom, vou começar do começo. Acho que o começo é este aqui. O link que acabei de colocar remete a um post relatando a passagem do quadrinista alemão Reinhard Kleist pelo Brasil. Kleist esteve por aqui a convite do Instituto Goethe para participar de um evento sobre quadrinhos de não-ficção (que terá continuidade em 2010, só pra avisar). Aproveitamos a ocasião para lançar em português "Johnny Cash - uma biografia". Como eu estava envolvido dos pés à cabeça no projeto (o livro inclusive foi traduzido por mim), acabei sendo o cicerone do alemão no Rio de Janeiro e em Porto Alegre.
Até aí, tudo bem, já foi tudo contado no primeiro link neste post. A novidade veio por uma certa janta que fizemos num restaurante em Porto Alegre. A ideia era pôr o Kleist em contato com os quadrinistas gaúchos, para provocar intercâmbio e troca de ideias. Quem aliciou o povo foi o quadrinista Maumau, que já havia conhecido o Kleist no Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte e, portanto, sabia que essa mistura daria liga.
Ficamos todos lá, no restaurante, nos comunicando em inglês, enrolation e linguagem universal dos sinais. Kleist aprendeu como seriam os nomes em inglês de algumas cidades gaúchas ("Deep step", "Don't touch me", "Little guy"). Lá pelas tantas, chegou o Santiago.
O Santiago, todos sabem, é um ícone do quadrinho gaúcho e nacional, com boas andadas internacionais para ser conhecido também no exterior. Isso já sabia o Kleist, eu havia deixado-o previamente avisado. Santiago chegou tímido, sentou num canto da mesa. De vez em quando, pedia pra eu traduzir algo direto pro alemão para o Kleist. Lá pelas tantas, me entregou um papel enrolado e disse: "um presente pro alemão!"
Bem, eu entreguei, e o papel, ao ser desenrolado, mostrava este desenho, em tamanho aumentado, lógico:

Não há nada mais difícil de traduzir do que a linguagem regional, principalmente a extremamente regionalista, como é o caso do desenho do Santiago. Alguns neurônios meus se perderam no processo e, confesso, o significado das frases e da cultura retratada no desenho também. Sorte que os desenhos falam por si. O Kleist ficou contentíssimo com o presente e, a partir daí, não precisei traduzir mais nada: a comunicação entre eles passou a fluir na linguagem universal do humor.
No outro dia, após o evento no Instituto Goethe, Santiago entregou ao Kleist um recorte de jornal. Tratava-se de uma reportagem sobre o quadrinista norte-americano Oliver Harrington. Santiago soube que Harrington morou seus últimos anos de vida em Berlim, cidade onde fica o ateliê do Kleist, e quis compartilhar. Kleist não conhecia o quadrinista e voltou para casa interessado e com o recorte de jornal na mão.
Eu não sei por que conto essa história. Ela nem me parece ter um fim (o que, de certa forma, é até bom, não acha?). Acho que ainda mantenho um ar estupefato ao me dar conta que alguém lá do outro lado do mundo veio até a Porto Alegre em que nasci e moro falar sobre coisas que vão ficar. E que esse mesmo homem atravessou o oceano de volta para casa levando para lá coisas que, imagino, também reverberarão por lá, e que ele só poderia ter encontrado aqui.
Enfim, uma verdadeira troca!
2 comentários:
Show...seu blog é maravilhoso!
Bah, velho, que hisstória. Só imagino a cena de tu tentando traduzir pro tal do Kleist o desenho do Santiago. Que figura.
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